terça-feira, 7 de junho de 2011

Carta aberta - Greve em SJC

São José dos Campos, 7 de Junho de 2011

À UNIFESP e à sociedade,

Nós, estudantes do campus de São José dos Campos da UNIFESP, apresentamos a todos nesta carta os motivos da nossa paralisação, reflexões acerca desses assuntos e, por fim, reivindicações e propostas. Desde já, ressaltamos que não somos contra os princípios que norteiam o Bacharelado em Ciência e Tecnologia (BCT) e sim contra a maneira como esse assunto está sendo tratado por nossas Universidade.

Em 1 de Junho de 2011, reunidos em Assembleia Geral, após discutir sobre as decisões tomadas pela Congregação do Instituto de Ciência e Tecnologia (ICT) da UNIFESP, instância máxima de deliberação de nosso campus, sobre a entrada única através do BCT, e também suas consequências, decidimos pela paralisação das atividades acadêmicas discentes até o dia 6 de Junho de 2011.

Cabe aqui explicar, em resumo, como funcionaria a entrada única. Em 2012 seriam abertas 300 vagas para o BCT, sendo 200 no período integral e 100 no noturno, removendo a opção de entrada direta no Bacharelado em Ciência da Computação (BCC) e Bacharelado em Matemática Computacional (BMC). O BCT é categorizado como bacharelado interdisciplinar, onde, entre outros pontos, os alunos cursam matérias de várias áreas do conhecimento, como, por exemplo, biologia, química, programação e cálculo.

Hoje, no BCT integral já existente, somente após os semestres iniciais os alunos começam a decidir qual será a direção de seu curso, através da escolha de disciplinas eletivas para o BCT, consideradas como obrigatórias nos cursos pós-BCT. Em algum momento do curso, cuja definição ainda está pendente, o aluno decidirá se irá somente finalizar o curso de BCT, após 3 ou 4 anos, saindo apenas com um diploma de bacharel em ciência e tecnologia. Ou se irá continuar com os estudos em um curso pós-BCT e dentro de 1 ou 2 anos obter outro diploma como BCC, BMC, Engenharia Biomédica e Engenharia de Materiais, saindo assim com dois diplomas.

Como um dos principais motivos para a emergência dessa paralisação temos a questão do tempo, pois corremos contra a data de publicação do edital do Sistema de Seleção Unificada (SiSU), já que a decisão entrará em vigor em 2012, e notamos que todos os preparativos foram deixados pela Universidade, praticamente, para última hora. Com essa paralisação tivemos tempo de nos reunir, discutir os assuntos, propostas, sugestões e diferentes pontos de vista, e assim refletir e elaborar esta carta.

Em nova Assembleia Geral ontem, 6 de Junho de 2011, aprovamos esta carta e também deliberamos que todas as atividades acadêmicas discentes estão paralisadas por tempo indeterminado. Nos colocamos à disposição, através do Comando de Greve, por nós constituído, para esclarecimentos.

Por muitas vezes nos questionamos os motivos que levaram nossa Universidade a tomar tais decisões de maneira tão apressada e deficiente. Não podemos aceitar que fiquemos totalmente à mercê de políticas e decisões de cunho duvidoso. Nem ser os únicos (e temos evidências, apesar de que ignoradas pela Universidade, que não somos) a enxergar os problemas presentes no prosseguimento dessa decisão.

Também não podemos deixar que a direção de nosso campus insista em erros já cometidos durante seu curto período de existência, de apenas 5 anos. Em 2007 fomos apresentados a um curso de Bacharelado em Ciência da Computação (BCC) com grade curricular feita às pressas, e que durante 4 anos foi modificada diversas vezes, algumas até por motivo de falta de professores. Também sofremos com matérias classificadas como eletivas oferecidas em caráter obrigatório, além da recorrente falta de livros e outros recursos.

Tememos também a mentalidade dentro de nossa Universidade perante o novo modelo, pois, em oposição a multi e interdisciplinaridade pregadas, já vivenciamos em nosso campus pré-conceitos contra a realização ou reaproveitamento de matérias fora do escopo principal do curso, mesmo que como eletivas, e até mesmo na contratação de docentes, fato este ocorrido no campus de Diadema da UNIFESP. Consideramos ambos os casos inaceitáveis e contraditórios quando vindos de uma organização que se mostra tão certa da validade desse paradigma.

Portanto, por reconhecermos a legitimidade de nossos atos e também nossos direitos, requisitamos à UNIFESP que todas as aulas realizadas, tarefas agendadas e até mesmo provas aplicadas nos dias de paralisação sejam repostas sem qualquer prejuízo aos estudantes paralisados.

Foi decidido na última reunião de nossa Congregação, realizada em 24 de Maio de 2011, que a partir de 2012 a entrada dos alunos no referido instituto será exclusivamente através do Bacharelado em Ciência em Tecnologia (BCT), tanto em período integral, como é oferecido desde o início deste ano, quanto noturno. Havia também em pauta um item que limitaria o oferecimento de cursos pós-BCT apenas ao período integral, entretanto este item foi retirado de pauta no início da reunião pelo próprio proponente, o Prof. Dr. Armando Zeferino Milioni.

Convém lembrar que a implantação da chamada entrada única para os dois turnos, foi levada para discussão publicamente há aproximadamente 1 mês, na penúltima reunião de nossa Congregação, em 25 de Abril de 2011. Entre esta ocasião e a última reunião ocorreram algumas sessões de discussão mas, assim como houve em ambas as reuniões da Congregação, ficou evidente uma posição frustrante, e bem distinta da esperada, tomada pelos apoiadores da proposta.

Observamos uma inversão de papéis, pois é dado como correto que a validade do novo modelo deveria ser comprovada e justificada por aqueles que querem implantá-lo, e não que o modelo existente, presente em muitos centros de excelência inquestionáveis e condizentes com a nossa realidade, deva ser defendido. Entretanto o que acontece é a situação inversa, deixando-nos muitas vezes com a impressão de que a decisão já era tida como certa por seus apoiadores.

Dizemos com propriedade que não temos medo do novo, pois escolhemos participar da construção daquilo que acreditamos ser um futuro centro de excelência. Ingressamos em um campus recém-criado, apostando assim na capacidade demonstrada pela UNIFESP, encontrada por exemplo, nos cursos oferecidos no campus Vila Clementino.

Hoje, somos apresentados ao BCT, uma aposta, que apresenta um paradigma diferente de formação, mas que sua implementação dentro de nosso campus ainda não possui detalhes de planejamento prontos, que consideramos cruciais, tais como:
● Grade curricular dos cursos definidas e apresentadas;
● Ementas básicas dos cursos;
● Grade curricular dos novos cursos pós-BCT;
● Estudo da aceitação do mercado de trabalho e academia, e o que será feito para melhorá-la;
● Políticas de divulgação do novo paradigma, para a comunidade e o mercado, e seus possíveis ganhos;
● Definição de como serão tratados cursos pós-BCT de menor concorrência e casos onde não haja inscritos para eles. Será retomado o método de entrada tradicional para esses cursos?
● Demonstração das melhorias comprovadas desse paradigma de formação para a nossa realidade;
● Definição do tempo máximo para jubilamento dos cursos BCT e pós-BCT;
● Especificação final do métodos de seleção para cursos pós-BCT;
● Definição do processo de transferência de cursos pós-BCT;
● Especificação da política de reoferecimento de matérias com frequência, no mínimo anual, e no devido período de matrícula (integral, matutino, vespertino ou noturno);
● Número máximo de estudantes por sala de aula.

Acreditamos que para responder estas questões e outras que venham a surgir, é necessário estudo, pesquisa e, acima de tudo, tempo. E muitas delas, se não todas, não podem ser deixadas para serem respondidas após a implantação apressada dessa decisão.

Tememos que, como já acontecido com as mudanças de período, também repentinas e mal explicadas, dos cursos de BCC vespertino e BMC matutino, não haja plano de reoferecimento. Hoje, isso faz com tenhamos que ir ao campus em períodos diferentes dos quais escolhemos estudar no momento da matrícula para que possamos refazer alguma matéria. Acarretando em alunos que se matricularam para estudar somente de manhã ou somente a tarde tenham que se deslocar até a Universidade no período da noite devido a essas mudanças.

Outro problema já perceptível hoje é o número de alunos em cada sala de aula. Com a entrada de 200 alunos no período integral, foram criadas duas turmas, A e B, com 100 estudantes cada. Este número é muito maior do que o proposto no Documento Final da Conferência Nacional de Educação de 2010, que é de 30 alunos, visando não só os alunos mas também o bom desempenho da docência. Já houve casos onde tivemos que assistir aulas em laboratórios lotados e até mesmo em locais fora da Universidade devido à falta de espaço.

Consideramos que a Universidade, ao criar os cursos atuais de BCC noturno em 2007, BCC vespertino em 2008 e BMC matutino em 2009, estabeleceu, com seus alunos e a sociedade, o compromisso de que esse campus se tornaria um centro de excelência nas áreas envolvidas. Por isso queremos saber o que acontecerá caso, perante o regime de entrada única, algum curso pós-BCT não possua inscritos.

Uma vez que a interdisciplinaridade é apresentada como uma das grandes melhorias de um modelo com a entrada única via BCT, somos obrigados a questionar o por que de, apesar de já existirem tantos apoiadores desse modelo em nosso campus, até hoje as disciplinas eletivas não foram utilizadas para atingir tal objetivo. Também não é divulgado de maneira eficaz que hoje, teoricamente, podemos fazer matérias em outros locais, o que também possibilitaria a multidisciplinaridade dentro do modelo atual.

Gostaríamos de ter dados mostrando que, no modelo atual, a interdisciplinaridade possível com as matérias eletivas e a oportunidade de assistir aulas em outros locais possuem resultados aquém dos obtidos pelo novo modelo. Dessa forma, seria possível justificar a substituição do modelo atual, que pode até mesmo ser melhorado sem ser descaracterizado, obtendo-se resultados melhores.

Outro ponto que acreditamos ser passível de melhorias para aproximar o modelo atual do novo, mas sem descaracterizá-lo, é o processo de transferência interna. Hoje todos nossos cursos são semestrais mas, apesar disso, esse processo ocorre anualmente. Isso dificulta a mudança entre cursos, uma vez que o estudante, após perceber que está no curso errado, pode ter que esperar até 12 meses para ter a oportunidade de pleitear uma transferência.

Sabemos, entendemos e compreendemos que existem resultados positivos de modelos semelhantes ao proposto em outros lugares do mundo, como Europa e Estados Unidos, entretanto temos a consciência, por termos também vivenciado essa realidade há poucos anos, que o cenário existente em nosso país, infelizmente, é deficitário e diferente em diversos pontos dos exemplos que são insistentemente oferecidos a nós.

Temos também que ressaltar que há problemas na adoção de modelos semelhantes nos exemplos citados por seus apoiadores. Há lugares onde, por exemplo, os alunos formados no bacharelado enfrentam problemas para iniciarem o próximo ciclo e têm que se submeter a cursos adicionais ou mesmo adquirir experiência no mercado de trabalho para que então possam melhorar sua formação (Bologna Process Stocktaking Report 2009). Por isso consideramos importante a constante validação e divulgação ao mercado das vantagens desse modelo, mas isso só é possível com dados concretos.

Por se tratar de algo considerado por muitos ainda como novidade, ou por sequer conhecerem o bacharelado inter e multidisciplinar, pode haver certa dificuldade na inserção dos estudantes egressos, no mercado de trabalho e nas demais etapas da academia, quando formados apenas em BCT. Sendo assim, cremos que a Universidade também deva investir na conscientização da qualidade e capacidades dos formandos desses cursos, para que estes alunos tenham chances de aplicar seus conhecimentos de maneira justa.

Convém lembrar o discurso apresentado pela UNIFESP, de que os cursos atuais foram pensados devido às necessidades apresentadas, principalmente, pela região onde está implantada. Por isso, julgamos necessário que a adequação desse novo modelo a essas necessidades também seja validada com a sociedade.

Enxergamos que também se faz necessário no Brasil, melhores condições e reconhecimento para professores, maiores investimentos em educação, e até mesmo uma reflexão sobre o método de seleção utilizado. Não devemos nos ater apenas a soluções totalmente imediatistas que possam gerar novos problemas, principalmente quando não estão bem definidas.

Aceitamos, até certo ponto, a aposta nesse novo modelo, mas o que pedimos é um projeto estruturado e bem definido, e também resultados que comprovem que tal modelo trará benefícios à sociedade em comparação com o modelo utilizado hoje.

Não podemos aceitar que simplesmente, após 5 anos de mudanças e adequações, o modelo dos 2 cursos oferecidos hoje em período noturno seja totalmente descartado perante um novo, cujos benefícios que serão obtidos em nossa realidade são obscuros e órfãos de resultados em cenários condizentes com o nosso.

Hoje sequer temos a experiência de um semestre utilizando esse novo modelo, que já encontra sérias dúvidas acerca de sua organização, e a Universidade pretende abrir mão totalmente do que vem se mostrando um modelo aceito pela comunidade não só a nossa volta, como demonstra o crescente interesse em estágios e programas de pesquisas ofertados para nós, mas também em diversos centros de excelência condizentes com nossa realidade.

Acreditamos que isto comprova que o caminho atual é acertado, entretanto também não descartamos a ideia do novo e acreditamos que pedir resultados e pesquisas não é muito perante uma aposta tão alta. Pesquisas e acompanhamento estes que devem ter a participação de especialistas externos nas áreas pedagógica, social, educacional e do mercado. Mesmo o campus já possuindo alguns desses profissionais, seus pareceres não foram divulgados.

Cremos que um modelo misto ofereça a garantia do que vemos funcionar hoje mas também dê a chance de analisarmos os resultados perante nossa realidade do novo modelo proposto. Tal cenário também apresentaria material para comparação entre ambos os modelos, o que possibilitaria decisões mais bem embasadas e planejadas.

Acreditamos que esta solução num momento de transição, que deve levar
aproximadamente 10 anos, onde não estão bem definidos os reais ganhos de um novo modelo, represente o verdadeiro direito de todos os estudantes, o direito à escolha do que fazer: arriscar ou não arriscar.

Vemos como ponto importante, uma vez que nosso campus passa a oferecer cursos
integrais que impedem, na maioria dos casos, a obtenção de estágio, emprego ou até mesmo experiência prática na área desejada, que a assistência aos estudantes deva aumentar. Precisamos de mais bolsas que possam atender aos alunos de diferentes realidades financeiras e que veem numa universidade pública a chance de uma educação de qualidade.

Diante desse nosso desprendimento e da vontade de apostar nesse novo modelo, seguindo as diretrizes acima traçadas, para conferir seu ganho e assim podermos melhorar nossa Universidade e nos aproximar da definição de centro de excelência, fazemos mais um simplório pedido. Gostaríamos que, aquele que enxergamos como maior idealizador desse novo modelo dentro de nosso campus e também como o mais apto a continuar as atividades necessárias para sua consolidação e obtenção dos melhores resultados comparativos num futuro próximo, o Prof. Dr. Armando Zeferino Milioni, nosso atual diretor acadêmico, acompanhasse conosco essa caminhada.

Entendemos que o cargo de diretor acadêmico de nosso instituto tem que ser eleito,
e gostaríamos que o atual diretor fosse um dos candidatos existentes nas próximas
eleições. Endereçamos esse pedido não somente ao professor em questão, mas também à própria UNIFESP e ao MEC, pois entendemos que sua permanência nesta Universidade pode depender de decisões que não caibam apenas à sua vontade.

Desejamos que, juntos, estudantes e idealizador, possamos analisar os resultados
desse estudo. Então, ou comemoraremos o avanço que traremos para nosso País ao
fazermos parte da vanguarda, ou, novamente, pensaremos, refletiremos, identificaremos os erros, elencaremos melhorias e tentaremos novamente. Pois, afinal, é isso que aprendemos a fazer em nossas vidas, celebrar as vitórias e aprender com os erros.

Por fim, resumimos aqui as nossas reivindicações detalhadas e explicadas no
decorrer desta carta:
● Revogação da decisão da Congregação referente a entrada única para os
cursos noturnos do campus da UNIFESP de São José dos Campos, bem como tornar a oferecer os cursos de BCC e BMC no modelo tradicional durante o período noturno;
● Desenvolvimento e Implantação de um modelo misto que possibilite o estudo de ganhos e melhorias do novo modelo em relação ao atual, com pareceres de especialistas externos nas áreas pedagógica, social, educacional e do mercado;
● Respostas e esclarecimentos das questões levantadas nessa carta referentes aos cursos oferecidos em nosso campus;
● Acompanhamento do processo de estudo e resultados pelo Prof. Dr. Armando Zeferino Milioni, tendo a liberdade de concorrer a Diretor de nosso Instituto garantida pelos órgãos superiores;
● Reposição de aulas, tarefas e provas ocorridas nos dias de paralisação;
● Aumento no número de bolsas de assistência estudantil oferecidas ao campus;
● Mudança na política de transferência interna de anual para semestral;
● Políticas relacionadas à inserção no mercado de trabalho e parcerias para formandos principalmente para os concluintes do BCT;
● Reoferecimento de matérias no mesmo período que o de matrícula, ao contrário do que acontece hoje;

Gostaríamos também de deixar nosso agradecimento a todos que, de qualquer maneira, nos apoiaram neste momento histórico de nosso campus, àqueles companheiros discentes que, mesmo não sendo totalmente favoráveis a nossa causa, compreendem o real significado da democracia e nos acompanharam e apoiaram nesta luta, além daqueles docentes, servidores técnico-administrativos e demais amigos solidários à nossa causa ou mesmo à nossa organização como movimento estudantil legítimo e legal.

ESTUDANTES DO CAMPUS DE SÃO JOSÉ DOS CAMPOS DA UNIFESP

Um comentário:

  1. Eu Apoio!!!
    O aceitismo não pode existir entre estudantes conscientes de seus direitos e que buscam um futuro melhor não só pessoal, mas para os próximos estudantes que virão!

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